domingo, 14 de março de 2010

artigo sobre leitura

EU SIMPLES, TÚ SIMPLES, ELE SIMPLES: NÓS FACILITAMOS.
A escola precisa voltar a ser simples. O professor precisar aprender a ser simples. As metodologias necessitam de simplicidade. Vivemos, e isso ninguém pode negar, o momento da multiplicidade. Em cada nicho do conhecimento humano, há uma bandeira hasteada reconhecendo a legitimidade das reflexões em torno do geral e dos sistemas que formam a complexidade. Tem-se a impressão que só se produz ciência naquilo que é multiforme - perdemos a objetividade, perdemos a simplicidade. A questão toma proporção epidêmica quando, á luz dela, colocamos as culturas que embalam a escola. Penso que o problema de as metodologias hoje não darem conta daquilo que os professores gostariam de ensinar, ou da falta crônica de “receitas” (tão desejada por esses), de como executar passos de ensino reside justamente no fato de que, para dar conta de um ou de outro conteúdo, os professores, e por que não alongar a avaliação, os profissionais da educação, tomam partido da mesma idéia: multiplicar é ordem, é progresso.
Há uma verdadeira cultura do pretexto na escola. É o momento da infestação das receitas e, como não poderia deixar de ser, o trabalho com escrita e com leitura são acometidos pela mesma praga. Há os que advogam um trabalho interdisciplinar; aquele que englobaria as outras disciplinas, mesmo não se compreendendo exatamente as margens dessa relação. Há os que pregam a liberdade, o livre acesso aos livros, e nesse caso, a palavra trabalho seria um sacrílego. Tem-se então, leitura e escrita livres. A leitura é por prazer, a escrita é por prazer, e a seleção, ou a busca delas, idem. Mas, há ainda aqueles que mais me preocupam: os que defendem a multiplicidade, sem ao certo saber o que, diante da modernidade, significa essa práxis. Esses últimos são os adeptos à contextualização prévia da leitura.
O problema não reside na contextualização, essa, a meu ver, pode ajudar a condução do trabalho que o professor planejou, embora não garanta o sucesso final; mas há outro aspecto, e é este que me incomoda; professores chegam a passar filmes de duas horas para que os alunos tenham acesso a um texto de página e meia. Outros fazem teatro pré e pós-leitura. Outros usam fantoches. Há os que lançam mão de fotografias, imagens, recortes de jornal, cartazes e similares. Encontrei um que já fez até receita culinária para ajudar a construir o que chamam de clima para a leitura. Sei que uns se vestem de personagens do livro ou da época do livro. Sei que outros cantam músicas; sei que não faltam as maquetes, as apresentações no pátio da escola, os cartazes no mural ou a chamada dos pais para assistirem o jogral, a paródia ou a encenação do paradidático daquele bimestre.
O repertório é vasto, mas fico por aqui. Deixo apenas algumas situações, embora pudesse enumerar pelo menos mais 20 ou 30 delas. Diante do quadro fico me perguntando: é preciso tudo isso para ler e escrever? Se a resposta não for um taxativo não, será no mínimo próximo a ele. Os subterfúgios que estamos criando em torno da leitura e da escrita dão conta de tecer parte do quadro negativo constantemente apresentado em pesquisa que chegam até nós, de todos os lados. Perdemos facilmente o foco na leitura e na escrita por conta de modismos que, com sabemos, vem e vão com a mesma agilidade. Já vivemos um tempo em que ler era praticamente decorar palavra por palavra do texto para recitar mais tarde, à professora, no momento em que ela tomaria a lição. Nesse caso, bastava decorar cronologicamente as frases da Caminho Suave e dizê-las uma a uma: ( barriga Ba. Eu vejo a barriga do bebê. O bebê baba. Baba, bebe,bibi,bobo,bubu). Saltamos, em 30 anos, dessa prática para o que aqui estamos chamando de multiplicidade de pretextos metodológicos.
Se tínhamos problemas naquele tempo, porque aquela metodologia não era adequada, ainda continuamos tendo problemas, e dessa forma, será que podemos retirar parte da culpa do pulverizar das metodologias? Não. Ninguém jamais irá conseguir desvencilhar escola-metodologia. Onde houver uma instituição de ensino haverá a necessidade de optar por uma metodologia que dê conta daquilo que se pretende enquanto atividade educadora. No entanto, é imprescindível que nós, educadores do novo século, (re) avaliemos nossas práticas para condução da leitura e da escrita a fim de tornar o que fazemos mais limpo, mais simples, mais objetivo. Josette Jolibert faz uma colocação pertinente na esteira dessa posição.
Para ela, a leitura e a escrita precisam ser úteis. Dar uma utilidade àquilo que se pretende, ainda que esta utilidade seja subjetiva. Escrevemos para um destinatário físico e para uma necessidade lógica, lemos, antes de qualquer coisa, para um ser concreto, nós mesmos. Parece que isso só, já é o bastante.
Se pudéssemos esquartejar um homem sem que com isso não tivéssemos que lhe arrancar a vida, o que veríamos dele após sua dissecação? Talvez células, sangue, ossos, estilhaços destes ou daqueles órgãos. Matéria enfim! Porém, como é que poderíamos entender sua essência a partir de pedaços de matéria? Como poderíamos compreender as noções e as convicções mais profundas daquele homem? Comendo seu cérebro? Degustando-o por completo ao modo dos canibais para que, depois do banquete, ele pudesse habitar em nós?
Arrisco uma possibilidade: a mim, parece que as palavras, apenas palavras, possam sobrar após nossa completa extirpação. A palavra é a matéria da qual todos nós somos feitos. Fomos, e ainda seremos, elaborados através das palavras. E, coincidentemente, a matéria-prima com a qual a escola trabalha também é a palavra. Sem palavra não nos construiríamos como homem, tampouco como aprendizes. O verbo antecede o homem. O verbo antecede a escola. Busquemos o verbo para sermos, enfim, homens de palavras.
Temos que nos preocupar com os indivíduos que ainda não as tem, e não as receberam pelos olhos, pelos ouvidos ou pelas páginas de um livro. Precisamos nos comprometer com aqueles que ainda não se alimentaram com palavras. E, para dar conta deste imenso trabalho, o excesso será desperdício e a objetividade será apreciada. Não há saída senão a simplicidade. Eu simples, tu simples, ele simples: nós facilitamos.blog design gráfico